Diante de uma coleção de patrimônios tombados em Salvador que acumulam marcas do efeito do tempo e colocam em risco a segurança de quem passa por eles, é hora de olhar para o caminho contrário. Com a ajuda de uma lista do Iphan dos bens tombados da cidade e os conhecimentos de historiadores, foi possível chegar ao exemplo mais antigo mais bem preservado para entender o segredo dessa matemática.
O nome da vez é a Santa Casa de Misericórdia, uma instituição que agrupa alguns tombamentos, desde 1938: Palacete da Misericórdia (que compreende o museu e a igreja, na Praça da Sé), igreja e frontispício da Pupileira, frontispício do Hospital Santa Izabel e alguns imóveis na Cidade Baixa cuja maioria é usada para aluguel.
Como como o historiador Pablo Magalhães, professor associado na Universidade Federal do Oeste da Bahia, a Santa Casa da Bahia foi fundada em 1549, na frente da Ladeira da Misericórdia, durante o comando do então Governador-Geral do Brasil Tomé de Sousa. A iniciativa parte da Rainha de Portugal D. Leonor de Lencastre, como parte da missão expansionista do país pelo mundo. O objetivo principal era ser uma associação beneficente de assistência social que cuidaria de enfermos.
Com o tempo e a escassez das doações que contribuíram para o seu crescimento, a Santa Casa da Bahia encontrou caminhos rentáveis para a autossustentabilidade, também baseados na expansão pela cidade e diversificação de áreas de atuação.
Ações
É na Pupileira que funciona atualmente um centro de memória gerido com recursos próprios com documentos que retratam a história da instituição desde o século 17 até os dias atuais. É a partir dos tesouros deste espaço que surgem livros publicados desde 2013 com assinaturas de nomes como Antonio Risério, Nelson Cadena e Paulo Segundo da Costa.
A preocupação é preservar tanto a memória quanto as estruturas físicas. No Palacete da Misericórdia, que data de 1549, um museu criado em 2006 iniciou um planejamento estratégico sistemático que prevê a identificação de possíveis riscos, a listagem deles por nível de importância e a busca ativa por possibilidades de investimentos para executar a preservação.
“Inicialmente, ali existia uma construção rústica, de taipa e palha, como quase tudo na cidade. Depois, veio alvenaria, pedra e cal. À medida que a cidade foi se consolidando, essas mudanças foram acontecendo, a partir da disponibilidade de recursos financeiros e humanos, muito baseados na mão de obra indígena e no dinheiro do açúcar”, diz o historiador.
“Podemos dizer que são construções sobreviventes devido às mudanças. Vale lembrar que, durante a invasão holandesa, no século 17, os prédios da Santa Casa foram vandalizados e serviram até como hospital, ocupados pelos holandeses durante um ano como ponto de apoio para cuidar dos feridos. De 1622 a 1874, também serviu de cuidados para presos pela falta de hospitais ao longo do período imperial”, acrescenta Pablo.
Para dar conta da preservação, a cada dois meses, a equipe de engenharia da Santa Casa realiza vistorias em todas as estruturas do complexo. Uma museóloga e um restaurador, contratados permanentemente pela instituição, complementam o trabalho constante de atenção.
Recursos
Como conta o provedor da Santa Casa, José Antônio Rodrigues Alves, as intervenções misturam recursos próprios e investimentos externos. Apesar de se estabelecer como uma instituição religiosa fundada em princípios católicos, não é subordinada à Arquidiocese. A primeira grande intervenção aconteceu na década de 2000. A Igreja, que foi palco dos sermões do padre Antônio Vieira, esteve fechada para restauração de 2001 a 2008, viabilizada pela Lei Rouanet.
Logo em seguida, em 2009, uma nova intervenção aconteceu nos azulejos portugueses que estão presentes no espaço, através de captação de recursos da Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa. Eles datam do século 18, do período Barroco. “São painéis figurativos que retratam procissões que a irmandade realizava, cortejos fúnebres de membros e não membros mais humildes”, diz a museóloga Osvaldina Cezar.
“Inicialmente, ali existia uma construção rústica, de taipa e palha, como quase tudo na cidade. Depois, veio alvenaria, pedra e cal. À medida que a cidade foi se consolidando, essas mudanças foram acontecendo, a partir da disponibilidade de recursos financeiros e humanos, muito baseados na mão de obra indígena e no dinheiro do açúcar”, diz o historiador.
“Podemos dizer que são construções sobreviventes devido às mudanças. Vale lembrar que, durante a invasão holandesa, no século 17, os prédios da Santa Casa foram vandalizados e serviram até como hospital, ocupados pelos holandeses durante um ano como ponto de apoio para cuidar dos feridos. De 1622 a 1874, também serviu de cuidados para presos pela falta de hospitais ao longo do período imperial”, acrescenta Pablo.
Para dar conta da preservação, a cada dois meses, a equipe de engenharia da Santa Casa realiza vistorias em todas as estruturas do complexo. Uma museóloga e um restaurador, contratados permanentemente pela instituição, complementam o trabalho constante de atenção.
Em 2011, quando a irmandade recebeu quadros de José Joaquim da Rocha que estavam no Museu de Arte da Bahia, a recuperação deles foi feita com recursos próprios e uma sala foi reservada para abrigar e expor as obras. “Criamos um fundo de cultura interno oriundo da arrecadação da bilheteria, que é tímida, mas persistente. Com ele, conseguimos ainda recuperar os painéis que compõem o altar da igreja”, lembra o provedor.
O que ficou faltando na igreja foi contemplado em 2021, quando recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, do Governo Federal, e recursos da Prefeitura de Salvador foram somados para mais um projeto de recuperação. O local ficou fechado até 2024, quando a obra foi entregue. “Visitamos unidades de risco, fizemos escavações, colocamos suporte de infraestrutura na lateral e no telhado”, relata o provedor.
A museóloga, que trabalha na Santa Casa há nove anos, explica que a igreja passou nessas duas últimas intervenções por uma grande transformação que visava recuperar estruturas mais antigas. “O teto estava coberto por tinta, havia muito colorido escondido, algumas pinturas estavam escurecidas por conta da oxidação do pigmento. Foi assim que descobrimos 14 imagens que representam os princípios de misericórdia que estão nos painéis do teto, com a ajuda de um bisturi cirúrgico, camada por camada”, diz Osvaldina
Por Correio